Meu nome é Santiago, e, se alguém me dissesse que eu me tornaria um anjo, eu provavelmente teria dado uma risada nervosa. Mas, de alguma forma, essa história é real – e não é como qualquer conto de fadas. Foi uma transformação profunda, marcada por uma mudança de alma que me fez ver o mundo de uma maneira completamente diferente.
Cresci em Assunção, um lugar onde o ritmo tranquilo das ruas se mistura com a energia vibrante do povo paraguaio. As tardes eram marcadas pelo aroma do tereré e pelos sons das conversas em espanhol e guarani. Como muitos paraguaios, eu sempre carreguei comigo a riqueza de nossa cultura: o orgulho de nossa história, a paixão pelas tradições, e a simplicidade de uma vida conectada à natureza e às relações humanas. Mas, por mais que o mundo ao meu redor fosse cheio de vida, algo dentro de mim sempre estava faltando. Eu vivia a rotina – acordava, trabalhava como publicitário, passava os dias cercado de telas e reuniões, mas o vazio parecia crescer com o passar do tempo.
Decidi fugir da agitação de Assunção e fui para a cidade de Encarnación, às margens do rio Paraná, um lugar conhecido por sua tranquilidade e por suas ruínas jesuíticas cheias de história. Era exatamente o tipo de lugar que eu achava que precisava para clarear a mente. Durante uma tarde solitária perto de uma das ruínas, encontrei um homem idoso sentado na margem do rio, com uma presença serena. Seus olhos pareciam esconder segredos, e sua expressão, embora calma, era profunda.
“Você está perdido, Santiago. Mas não por muito tempo”, ele disse, antes mesmo de eu dizer uma palavra.
Fiquei atônito. Como ele sabia meu nome? Como ele sabia o que eu sentia? Ele sorriu de forma misteriosa, mas algo no seu olhar me dizia que ele não era alguém comum. Então, sem hesitar, ele estendeu a mão, e algo dentro de mim me impulsionou a aceitá-la.
Quando toquei sua mão, senti uma corrente de energia atravessar meu corpo, como se eu estivesse sendo consumido por algo maior. O céu se tornou mais intenso, e o vento que vinha do Paraná parecia mais forte, mais… significativo. Minha mente foi invadida por memórias e sentimentos de momentos passados. E então, como se tudo se alinhasse, percebi o que estava acontecendo. Eu tinha buscado, por tanto tempo, algo fora de mim – sucesso, reconhecimento, até amor. Mas a verdadeira transformação vinha do interior, do entendimento de que o bem não é uma busca por recompensa, mas algo que se faz por amor, por compaixão, sem esperar nada em troca.
De repente, minhas costas queimaram de uma dor intensa. Olhei para trás e vi as minhas asas – grandes, negras, com as pontas azuis brilhando com uma luz própria, como se refletissem o céu ao amanhecer. No mesmo momento, meu corpo foi marcado por tatuagens que pareciam contar a minha história: símbolos de sabedoria, de equilíbrio, de proteção. A tatuagem na minha pele era a prova do que eu tinha vivido – das escolhas feitas e das lições aprendidas.
O homem desapareceu. A transformação já estava feita. Eu, Santiago, agora tinha a missão de ser algo mais do que apenas um homem comum. Eu era um anjo, mas não um anjo com poderes grandiosos ou místicos. Era alguém que, ao contrário de esperar a salvação, devia ser a salvação para os outros. Eu havia entendido que a verdadeira missão de um ser humano – ou de alguém como eu – era ajudar os outros, sem interesse ou vaidade. E esse aprendizado, essa verdadeira iluminação, foi o que me fez merecer ser o que eu sou agora.
Voltei para Assunção, mas agora, cada passo que dava, eu sentia o peso das minhas asas nas costas e o significado das tatuagens que carregava. Não eram símbolos de poder ou prestígio, mas de uma vida vivida com a intenção de fazer o bem, de ajudar e de ser uma luz para aqueles que ainda estavam perdidos, como eu estive.
No fim, foi o entendimento de que, por mais que a vida seja feita de erros, de busca e até de dor, há sempre espaço para a compaixão, para fazer o bem sem esperar nada em troca. Como paraguaio, aprendi que minha cultura, com toda sua riqueza e simplicidade, me preparou para ser algo mais – não só para mim, mas para o mundo.
Agora, sigo minha jornada, ajudando aqueles que precisam de uma mão amiga, sabendo que a verdadeira transformação é a que acontece dentro de nós. E sempre que olho para o horizonte, lembro do rio Paraná e da lição que aprendi – de que o maior poder vem de uma vida vivida com honestidade, compaixão e amor pelo próximo.